segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Me faltam ainda alguns desses


“toda mulher tem um homem que se foi
um homem que a deixou por outra
um homem que a deixou por um câncer
um homem que nem mesmo a notou
um homem que a deixou por um ideal
um homem que sumiu num temporal
um homem que não passou de dois drinques
toda mulher tem um homem que se foi
um homem que foi pego em flagrante
um homem que prometeu um brilhante
um homem que saiu pra jogar
toda mulher tem um homem
que esqueceu de voltar.”
(Martha Medeiros)
A dor não pede compreensão, pede respeito. Não abandonar a cadeira, ficar sentado na posição em que ela é mais aguda.
Vejo homens que não têm coragem de terminar o relacionamento. Que não esclarecem que acabou. Que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado. Saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, acontece com todo mundo.
Encostam a porta de sua casa (não trancam) e partem para outra vida.
Não é melhor assim. Não tem como abafar os ruídos do choro. O corpo não é um travesseiro. Seca com os soluços.
Não é melhor assim. Haverá gritos, disputa, danos. É como beber um remédio, sem empurrar a colher para longe ou moldar cara feia. É engolir o gosto ruim da boca, agüentar desgosto da falta do beijo.
Será idiota recitar Vinicius de Moraes: "que seja infinito enquanto dure". A despedida não é lugar para poesia.
Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso. Haverá sua mulher batendo em seu peito, perguntando: "Por que fez isso comigo?"
Haverá a indignação como última esperança. Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e amparar.
Vejo homens que somente encontram força para seduzir uma mulher, não para se distanciar dela.
Para iniciar uma história, não têm medo, não têm receio de falar.
Para encerrar, são evasivos, oblíquos, falsos. Mandam mensageiros.
Não recolhem seus pertences na hora. Voltarão um novo dia para buscar suas coisas.
Não toleram resolver o desespero e datar as lembranças. Guardam a risada histérica para o domingo longe dali.
Mas estar ali é o que o homem precisa. Não virar as costas. Fechar uma história é manter a dignidade de um rosto levantado, ouvindo o que não se quer escutar. Espantado com o que se tornou para aquela mulher que amava. Porque aquilo que ela diz também é verdade. Mesmo que seja desonesto.
Desgraçadamente, há mais desertores do que homens no mundo.
Deveriam olhar fora de si. Observar, por exemplo, a dor de uma mãe que perde seu filho no parto.
O médico colocará o filho morto no colo materno. É cruel e - ao mesmo tempo - necessário. Para que compreenda que ele morreu. Para que ela o veja e desista de procurá-lo. Para que ela perceba que os nove meses não foram invenção, que a gestação não foi loucura. Que o pequeno realmente existiu, que as contrações realmente existiram, que ela tentou trazê-lo à tona. Que possa se afastar da promessa de uma vida, imaginar seu cheiro e batizar seu rosto por um instante.
Descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz. Ainda que a dor arrebente, ainda é melhor assim.
Não queria, desde o começo eu não quis. Desde que senti que ia cair e me quebrar inteiro na queda para depois restar incompleto, destruído talvez, as mãos desertas, o corpo lasso. Fugi. Eu não buscaria porque conhecia a queda, porque já caíra muitas vezes, e em cada vez restara mais morto, mais indefinido - e seria preciso reestruturar verdades, seria preciso ir construindo tudo aos poucos, eu temia que meus instrumentos se revelassem precários, e que nada eu pudesse fazer além de ceder. Mas no meio da fuga, você aconteceu. Foi você, não eu, quem buscou. Mas o dilaceramento foi só meu, como só meu foi o desespero. Que espécie de coisa o cigarro queimou, além dos cabelos? Sei que foi mais fundo, mais dentro, que nessa ignorada dimensão rompeu alguma coisa que estava em marcha. Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. A noite ultrapassou a si mesma, encontrou a madrugada, se desfez em manhã em dia claro, em tarde verde, em anoitecer e em noite outra vez. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Que aceitei a queda, que aceitei a morte. Que nessa aceitação, caí. Que nessa queda, morri. Tenho me carregado tão perdido e pesado pelos dias afora. E ninguém vê que eu estou morto. (CFA)
“Sim, a tecnologia é mesmo fantástica,
só que hoje eu queria sumir com você para um lugar
onde não pegasse o celular,não pegasse a internet,
não pegasse a televisão, mas que a gente, em compensação,
se pegasse muito.”

domingo, 12 de dezembro de 2010


Hoje eu me peguei, pensando em você
Te amo e nem sei como eu amo ( Coisas do amor )
Quero não lembrar, que às vezes sem querer
Me apanho falando em você
Lembranças de nós dois (Retratos e canções)
Um filme de amor, que nunca chega ao fim
Quem sabe se você ainda pensa em mim
Te amo e nem sei como eu amo
Dói no coração, às vezes que eu lembrar
Te amo e não quero te amar

Carta ao meu filho


“Quando nasce um amor novo, é difícil resistir à tentação de alimentá-lo só com a presença. Mas é preciso deixar o amor respirar. Se você colocar uma flor bem bonita dentro de uma redoma, com medo que o vento e o tempo levem sua beleza, manterá por muito pouco tempo o que dela é bonito.
O que eu aprendi sobre o amor, filho, é que ele é feito de faltas e presenças. E que nenhuma das duas pode faltar.
Aprendi que o amor é feito de liberdade. É como ter, todos os dias, muitas outras opções. E ainda assim fazer a mesma livre escolha.
Dessas pequenas vitórias se faz a alegria de amar e ser amado. Descobrir no olhar do outro que você foi escolhido de novo. E de novo, mais uma vez.
Também aprendi que o amor interrompido em seu auge permanece bonito para sempre. O que pode ser muito doído ou pode ser um presente. Depende de como a gente quer guardar. Depende de como a gente quer seguir.
O amor é feito de falta, filho. Mas aí mora um perigo: adorar mais a falta que o próprio amor. Posso cometer esse erro diante de quem amo ou diante da própria falta. E aí quem passa a faltar sou eu mesma.
O amor é feito de falta, mas não sobrevive sem a presença. O amor é feito de hoje.
Por isso, ao ver a ida do seu pai, meu coração deu um nó. Como continuar minha caminhada, como não olhar para trás, se vinha de lá a nova presença, o novo amor?
Você é feito do amor de ontem, cresce amor de hoje e vai ser amor de amanhã. Você me trouxe a alegria de continuar amando o seu pai. Aquele que conheci, com quem vivi cada hoje com intensidade e delicadeza. Aquele por quem lutei, com quem briguei. Aquele que me transformou e que se deixou transformar por meu amor.
Você e ele, juntos, me trouxeram o milagre de continuar amando a mim mesma.
A falta do seu pai doeu ontem e dói ainda hoje. Mas não é a mesma dor. Com esse amor, tento transformar a dor de hoje em uma dor diferente amanhã.
O que aprendi sobre o amor é que ele deve estar sempre distraído. Mas quando falta o objeto do amor é o contrário: melhor não se distrair nunca.
O que aprendi sobre o amor - e isso aprendi sobre o amor a mim mesma - é que ele exige de mim, todos os dias, um esforço. Um exercício diário do qual não posso abrir mão.
É como estar num mar profundo, sem barco ou bóia. Não posso simplesmente boiar. Posso relaxar um pouco, mas logo retomo o nado. Não posso boiar, não posso, não posso. A onda pode me levar.”
“E eu corro no espelho de novo e repito cem vezes que não gosto de você! Não gosto de você. Não gosto de você. Porque se eu gostar de você, eu sei que você vai embora. E eu simplesmente não agüento mais ninguém indo embora.” Tati Bernardi

É incrivel como Tati me entende!

Não deixe quebrar, não deixe romper, não deixe virar grafite envelhecido e esquecido como qualquer contrato sem alma. Corra e cole os pedaços, corra e segure meus pés no chão porque eu estou quase voando, ou me faça voar novamente com você. Por favor, não espere o sanduíche ou a festa do ano, não espere a minha próxima assoada de nariz e a minha cara assustada perdida na sua ausência.
Venha logo, traga de volta a minha certeza, não deixe, por favor, não deixe. Traga um agasalho para esquentar a minha falta de amor e ganhe em troca um ingresso para a minha fidelidade.
Não espere o horário do trânsito livre, não espere ouvir o que você não quer, não espere a vida dar merda para colocar a culpa na vida.
Eu ainda estou aqui por você, limpa, ilesa, sua. Mas cada milímetro do meu corpo me implora por vida, por magia, por encantamento. Por favor, me roube, não deixe, não esqueça do nosso pacto em não ser mais um daqueles casais que não conversam no restaurante e reparam tristes nos outros.
Outro dia ouvi a música do Closer e lembrei o tanto que eu te amava, o tanto que ainda te amo, mas havia esquecido. Eu lembrei que enxergar sem pretensões você dormindo, com o seu ombro caído pra frente fazendo bochechas de criança na sua cara feliz, é a visão do paraíso pra mim.
Eu preciso de força, eu preciso de ajuda, eu preciso que você me lembre de que eu não preciso de mais nada, que mais nada é tão perfeito e que podemos ser um casal imbatível.
Caso tudo isso seja um trabalho inconsciente para me perder, parabéns, você está conseguindo. Mas se ainda existir dentro de você alguma esperança, eu preciso demais que você me abrace e me faça sentir aquilo novamente. É fácil, basta você querer, eu ainda quero tanto.
Venha agora, não espere o músculo, a piada, o botão, o calo, a saudade, o arrependimento, o vazio. Eu preciso sentir que você ainda sente, eu preciso que o seu coração dê um choque no meu, eu preciso saber que seu peito ainda aperta um pouco quando eu vou embora e se espalha como borboletas nas veias quando eu chego.
Tudo o que eu quero, quando ele me olha sem pressa e sorri nervoso sem saber porque a gente procura se perder, é que você desligue o DVD e me diga que esse filme é batido e não tem final feliz. Eu quero que você grite dentro da minha cabeça que não precisamos disso e que, por alguma razão, quando a gente se afasta a dor é maior do que todo o mundo que nos espera.
Eu ainda preciso que você me ache bonita, se surpreenda, me comemore e esqueça um pouco de todo o resto pra se encantar sem medo do tempo.
Não me tire a razão, não me tire a honra, não me faça estragar tudo só para sentir o vento na cara de novo e a música alta. Berre e assopre em mim enquanto é tempo.
Me coma na cozinha, quebre a mesa, faça um escândalo, qualquer coisa para tirar o cheiro de velório do meu ventre. Eu ainda quero viver para você.
Venha agora, ganhe a corrida, passe todo o resto pra trás, é você quem eu continuo eternamente esperando na linha final. (Tati Bernardi)
Afinal, de quantas maneiras diferentes um coração
pode ser destroçado e ainda continuar batendo?

“Ensinam muitas coisas às garotas: Se um cara te machuca, ele gosta de você, nunca tente aparar a própria franja, e, um dia, vai conhecer um cara incrível e ser feliz para sempre. Todo filme e toda história implora para esperarmos por isso: a reviravolta no terceiro ato, a declaração de amor inesperada, a exceção à regra. Mas às vezes focamos tanto em achar nosso final feliz que não aprendemos a ler os sinais, a diferenciar entre quem nos quer e quem não nos quer, entre os que vão ficar e os que vão nos deixar. E talvez esse final feliz não inclua um cara incrível. Talvez seja você sozinha recolhendo os cacos e recomeçando, ficando livre para algo melhor no futuro. Talvez o final feliz seja só seguir em frente. Ou talvez o final feliz seja isto: saber que mesmo com ligações sem retorno e corações partidos, com todos os erros estúpidos e sinais mal interpretados, com toda a vergonha e todo constrangimento, você nunca perdeu a esperança.”
“Quando ele sorri desarmado, limitado e impotente para todas as minhas dúvidas, inconstâncias e chatices, eu sei que é daquele sorriso que minha alma precisava.”

“Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor.”

Um pequeno imprevisto

Eu quis querer o que o vento não leva
Pra que o vento só levasse o que eu não quero
E quis amar o que o tempo não muda
Pra que quem eu amo não mudasse nunca

Eu quis prever o futuro, consertar o passado
Calculando os riscos
Bem devagar, ponderado
Perfeitamente equlibrado

Até que um dia qualquer
Eu vi que alguma coisa mudara
Trocaram os nomes das ruas
E as pessoas tinham outras caras
No céu havia nove luas
E nunca mais encontrei minha casa
No céu havia nove luas
E nunca mais eu encontrei minha casa

Quem dá mais?


Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração à moda antiga. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário. Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões. Um pouco inconseqüenteque nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu..“não quero dinheiro,eu quero amor sincero, é isso que eu espero”. Um idealista..Um verdadeiro sonhador..Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece, e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras. Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes, revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo. Rifa-se este desequilibrado emocional que, abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.Um coração para ser alugado,ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente e contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções. Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:” O Senhor pode conferir”, eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer”. Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconseqüente. Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado, provavelmente por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo. Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano.Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que mesmo estando fora do mercado faz questão de não se modernizar, mas vez por outra constrange o corpo que o domina. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulânciade se aventurar como poeta.


Clarice Lispector

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pintura

O sol, que olhava curiosamente este canto, já se tinha passeado por vários pontos da sala durante esta longa e curiosa observação. Já o prato abandonado ao jantar do dia anterior, uma argamassa de risolis e arroz, cujos restos ainda boiavam nas bordas, estava banhado em água no lava-louça e o telefone, afônico pelo toque ininterruptamente negligenciado, na minha cabeça ele liga, mas infelizmente não, ou liga, eu com todo meu fracasso não atendo, na mente absorvida, se fundido com a música de fundo.
Traçou um novo rosto, que se sentava ao lado do primeiro e delineou a luz do pelo de um animal (onça) abandonado no canto do quadro. Depois, afundou a cabeça nas mãos preenchidas de tinta, foi à cozinha, encheu um novo prato, comeu a mesma ementa que comera nas últimas noites e que preparara cuidadosamente uma semana antes, e voltou a sentar-se no banco frágil.

domingo, 20 de junho de 2010

Contigo, tenho dias. Dias, em que a habitual indiferença quanto às andanças do teu destino dá lugar a uma precisão urgente, como uma sede de náufrago ou um desejo de grávida. Tenho dias, contigo. Em que és o Sexo e a Palavra, o sítio onde trabalho, a casa onde vivo, o ar que respiro. Em que és o roncar abafado da máquina de café, o correr da chuva no terraço do prédio, a humidade empreguinada da minha rua, refletida no portão de alumínio. Pequenas coisas te desapontam, pode ser o cheiro de outro homem, a declinação de um som ou o teu nome abreviado nos contatos do celular. Pequenas coisas, mas nem por isso aprendi ainda a identificar os sinais: quando você chega, já vou tarde. E então fico quieta, a espera, enquanto passas por mim, ocioso, como um domingo, um passeio dos tristes, uma ida ao supermercado. Contigo tenho apenas dias.

sábado, 19 de junho de 2010

Tolo

Nunca me deixaram antes, sabe? Fui eu sempre que fugi, trancava a porta, adeus e já vai tarde. Nunca me esqueceram primeiro nem nunca amei quem não me amou. Não é presunção, é questão de me fazer todo o sentido: o Amor é um encontro de vontades no espaço sideral, é um nó que flutua, solto, mas que não se desfaz enquanto as duas pontas não se desentrelaçarem simultaneamente. Como poderia te amar se tu não me amasses de volta? Como poderia te amar sem conhecer, compreender e aceitar os termos do teu Amor? Se apenas eu te quisesse, o meu querer seria a ponta solta de um cabo elétrico a deriva numa poça de água, sem rumo, apenas à procura de fazer doer a alguém. Por isso acho estranho, continuar a chorar às escondidas por ti, quando, supostamente e de acordo com todas as regras do bom senso e da boa vida, tu já nem te lembras que existo. Que sentido faria, me encolher de joelhos como uma neta pelos mais velhos e me remeter, triste,as mãos entre o rosto, para o canto do recreio, se tu não recorda mais os traços que me compõem o rosto? Seguro de que não te amaria, se não viesse igualmente ao meu encontro, se não corresse algures na minha direção. Nunca poderia ter continuado a te dar colo, se me tivesse virado as costas, nunca poderia te amar de costas, o teu encolher de ombros, esse gingar de ancas desacauteladas. Não entendes? Tens de estar a minha volta, a me rondar a teimosia, para que eu ainda me lembre de ti. Tens de, por vezes (só por vezes, é o que basta), dormir comigo e de me fingires tua companhia ao almoço, para eu ainda te ter tanto carinho. Tenho de continuar presente na vontade das tuas mãos, na ponta dos teus dedos. Se eu ainda te amo é porque nos encontramos com frequência a meio caminho um do outro, sobre um lago gelado,um campo de trigo, uma estrada deserta. Ou no reflexo de uma garrafa de café, na rua da cidade morta.
Voltaste e és o mesmo, mas também outro. Te reconheço pelo valsar do sorriso rasteiro, os mesmos vales obscuros onde mergulham umas olheiras azuis, e talvez uma ou outra ruga a mais. Mas és outro. Como se num filme de extra-terrestres, forças alienígenas atravessassem o teu olhar meio vazio, que sinto dominado por outros mundos. Ou se calhar sou só eu, mais distorcida, magoada, engelhada, chacoalhada, que quero cantar-te o regresso mas não consigo. Que quero anunciar-me na tua pele com pompa e circunstância mas me falha o entusiasmo. Nos amamos com os mesmos gestos gentis que nos arrebataram, é certo, e tu contina a pôr o cabelo para trás da orelha quando me sento perto de ti, de frente, as pernas abertas, o meu rosto inseguro abandonado ao teu hálito. Mas quem és, afinal? Um estranho de três olhos, braços no lugar de pernas, cabeça nos pés, como um quadro abstrato. Uma vogal arrependida dos sons abertos que me rasgavam a carne e me abatia, em tempos. Na pior das hipóteses mudamos os dois, e hoje somos apenas estranhos que se espreguiçam no conforto de fingirem que ainda se querem. Não devemos insistir nos rituais que nos eram familiares, sabe? Nem nos gestos habituais que não reconhecemos que acabaram se virando contra nós. Não me importo que venhas diferente, encalhando, hoje até me ama mais e sempre me podes mostrar o que entretanto aprendeste, mas não suporto que repita a coreografia do amor de antes, convencido de que o mimetismo do que fomos nos poderá salvar de não sermos felizes.