sábado, 19 de junho de 2010

Tolo

Nunca me deixaram antes, sabe? Fui eu sempre que fugi, trancava a porta, adeus e já vai tarde. Nunca me esqueceram primeiro nem nunca amei quem não me amou. Não é presunção, é questão de me fazer todo o sentido: o Amor é um encontro de vontades no espaço sideral, é um nó que flutua, solto, mas que não se desfaz enquanto as duas pontas não se desentrelaçarem simultaneamente. Como poderia te amar se tu não me amasses de volta? Como poderia te amar sem conhecer, compreender e aceitar os termos do teu Amor? Se apenas eu te quisesse, o meu querer seria a ponta solta de um cabo elétrico a deriva numa poça de água, sem rumo, apenas à procura de fazer doer a alguém. Por isso acho estranho, continuar a chorar às escondidas por ti, quando, supostamente e de acordo com todas as regras do bom senso e da boa vida, tu já nem te lembras que existo. Que sentido faria, me encolher de joelhos como uma neta pelos mais velhos e me remeter, triste,as mãos entre o rosto, para o canto do recreio, se tu não recorda mais os traços que me compõem o rosto? Seguro de que não te amaria, se não viesse igualmente ao meu encontro, se não corresse algures na minha direção. Nunca poderia ter continuado a te dar colo, se me tivesse virado as costas, nunca poderia te amar de costas, o teu encolher de ombros, esse gingar de ancas desacauteladas. Não entendes? Tens de estar a minha volta, a me rondar a teimosia, para que eu ainda me lembre de ti. Tens de, por vezes (só por vezes, é o que basta), dormir comigo e de me fingires tua companhia ao almoço, para eu ainda te ter tanto carinho. Tenho de continuar presente na vontade das tuas mãos, na ponta dos teus dedos. Se eu ainda te amo é porque nos encontramos com frequência a meio caminho um do outro, sobre um lago gelado,um campo de trigo, uma estrada deserta. Ou no reflexo de uma garrafa de café, na rua da cidade morta.

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