sábado, 19 de junho de 2010

Voltaste e és o mesmo, mas também outro. Te reconheço pelo valsar do sorriso rasteiro, os mesmos vales obscuros onde mergulham umas olheiras azuis, e talvez uma ou outra ruga a mais. Mas és outro. Como se num filme de extra-terrestres, forças alienígenas atravessassem o teu olhar meio vazio, que sinto dominado por outros mundos. Ou se calhar sou só eu, mais distorcida, magoada, engelhada, chacoalhada, que quero cantar-te o regresso mas não consigo. Que quero anunciar-me na tua pele com pompa e circunstância mas me falha o entusiasmo. Nos amamos com os mesmos gestos gentis que nos arrebataram, é certo, e tu contina a pôr o cabelo para trás da orelha quando me sento perto de ti, de frente, as pernas abertas, o meu rosto inseguro abandonado ao teu hálito. Mas quem és, afinal? Um estranho de três olhos, braços no lugar de pernas, cabeça nos pés, como um quadro abstrato. Uma vogal arrependida dos sons abertos que me rasgavam a carne e me abatia, em tempos. Na pior das hipóteses mudamos os dois, e hoje somos apenas estranhos que se espreguiçam no conforto de fingirem que ainda se querem. Não devemos insistir nos rituais que nos eram familiares, sabe? Nem nos gestos habituais que não reconhecemos que acabaram se virando contra nós. Não me importo que venhas diferente, encalhando, hoje até me ama mais e sempre me podes mostrar o que entretanto aprendeste, mas não suporto que repita a coreografia do amor de antes, convencido de que o mimetismo do que fomos nos poderá salvar de não sermos felizes.

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