sexta-feira, 18 de abril de 2008


Divirto-me a trepar e a descer a hierarquia dos meus amores, como se me empoleirasse numa daquelas escadas de pintor com dois lados, no meio de uma sala entulhada de berimbegues coloridos, a minha vida está cheia. Percebo que todos sem exceção foram amores, sempre atrevidos, alguns desmesurados e excessivos, como os saltos das botas que gosto de usar ou as palavras com que gosto de me enterter. Noto, beliscando-me a pele da memória, que nenhum me foi especialmente doloroso, mas também nenhum me foi indiferente: ainda hoje, gosto de todos, amavelmente, só não gosto ti. Reparo que não te enquadras na fotografia de grupo, não és uma daquelas caras sorridentes que me brindam de copo no ar e no entretanto balanço-me no escadote, escalando e deixando para trás, aos meus amores. Tu, vejo agora, estás num dos cantos da sala vazia, os jornais espalhados pelo assoalho a proteger dos pingos de tinta como nos protegemos das lágrimas. Olhas-me do vértice onde te páras e um raio oblíquo de sol parte-te ao meio o sorriso complacente, deixa medir-se os amores que foram os outros, é deixar... está entertida, isto passa. Às tantas levantas, aproximas-te de mim, com um encolher de ombros, desatas a pintar-nos em todos os sentidos e a várias demãos: os outros, os degraus, a estrutura de alumínio, os outros (salpicas-me o pé esquerdo, vale que a tinta é de água). Só tu, para, num ápice (enquanto o Diabo esfrega um olho, aquele onde lhe caiu um pingo de tinta grosso), fazeres desaparecer todos o resto.

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