quinta-feira, 17 de abril de 2008

Liga-me, e eu não acredito, deve ser engano, as linhas que se trocaram, o teu dedo que escorregou para o meu contato já esquecido. Liga-me, e eu penso que não, que não vou atender, que devo estar a ver mal, que só podes estar a brincar, que é primeiro de abril, dia das bruxas, a sentir-me tola, idiota paralisada, emparedada no tom de toque, à espera que desistas, que percebas o erro e que o telefone se cale. Liga-me, e eu a olhar para o nada, pasmada, transida, está nos apanhados. Liga-me, e eu a cismar no que poderás crer: um livro teu que ficou na estante, um cedê enfiado na aparelhagem da sala, umas calças perdidas no cesto da roupa, um relógio escondido na gaveta da comoda (uns beijos teus no meu corpo, guardados, esquecidos, vestidos de pó), uma assinatura necessária num papel oficial. Liga-me, te devo dinheiro?, me deves desculpas?; se calhar vais casar, ter um filho (vais ter gêmeos); quem sabe um acidente, alguém que morreu, um escândalo, uma revolução, um cataclismo atômico à escala mundial. Liga-me, e eu a pensar que apostaste com um amigo que eu atenderia logo, que assim empatas o tédio, que sorris com maldade para outra, deitada ao teu lado, enquanto enches o peito fútil à espera que eu atenda e fale, a palavra, vais ver. Liga-me, e eu por segundos imagino a conversa e treino a compostura, recolho um soluço que me empata o ar, carrego um canino sobre o lábio inferior, quase sangro nem noto, e fecho a boca para que por ela não me saia, disparado, o coração aflito. Liga-me, e eu não atendo, poupo-te ao embaraço e ao inferno das explicações, aos olás de circunstância, deixo que toques e toques e que vás por fim parar às mensagens. Liga-me, e eu espero, desejo e espero, que despejes para um gravador o teu erro, o teu tédio, o teu gozo, os pedidos, as desculpas, as incríveis novidades do mundo ou, quem sabe, a precisão dos beijos empoeirados que esqueceste e deixaste em mim.

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