quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ufa, que aqui já não estás. Chorei pelo dia que fostes. Saíste suavemente, pela ponta da língua, dos dedos, dos cabelos. Afinal, foi fácil, não tive de fazer nada. Te escoei, apenas. Vieste agarrado a umas poucas lágrimas, apanhaste boleia nelas, como se descesses uma onda, e escorreste pela minha cara até o chão. Eu, a fungar e a limpar o caminho, e tu, a saíres aos poucos: primeiro um braço, depois o outro, a seguir as pernas, os pés, o sorriso, depois você, inteiro. Não sei que fenômeno físico se deu, que reação química ocorreu, para que me desintoxicasse assim de você, finalmente frígida, finalmente fútil. Escorreu a vontade de te rever, esqueci aquilo que ainda achava ter para te dizer; esgotaram-se as saudades que éramos suposto, um dia destes a matar, com horas de conversa fiada e vista para o rio. Hoje, pergunto como foi possível, ter durado tanto tempo, aquele estranho amor invertebrado, teimoso e atrevido; ter marinado, curtido, defumado, assim, dentro de mim. Agora sou livre, constato, sem esforço: não mais as pernas apertadas de desejo nas curvas traiçoeiras da noite. Afinal, foi fácil, não tive de fazer nada, apenas deixar o tempo e a distância, obreiros do desamor, trabalharem entre nós, cavando a dissolução dos contornos do outro. Ufa, que aqui já não estás. Chorei. Coração já preenchido e você? Não mais.

2 comentários:

Igor Lessa disse...

Certas pessoas precisam ser tranformadas em passado...





Olhando Pra Grama - Crônicas de um ansioso

Bruno S. disse...

É interessante essa "purificação" que o nosso corpo (e alma) faz de sentimentos e lembranças após passar por um processo de sofrimento. O meu já fez isso umas duas, três vezes, e foram épocas inesquecíveis. Pra bem e pra mal...